sábado, 9 de março de 2013

Drogas, armas e insegurança pública no Ceará.

No Ceará, no que diz respeito às dinâmicas dos mercados ilícitos das drogas, gostaria de ressaltar as seguintes questões:
1. O processo de interiorização do comércio de crack. Há uma migração de traficantes da capital para o interior, gerando concorrência ou cooperação, dependendo do caso específico, com traficantes atuantes em pequenas e médias cidades do sertão, do litoral e das serras cearenses. As cidades da orla marítima, inseridas no circuito das práticas de turismo e de segunda moradia de habitantes das camadas médias e médias altas também se tornaram mercados aquecidos, envolvendo disputas entre facções armadas e atraindo igualmente a atenção de grupos policiais que fazem extorsão das "quadrilhas". No sertão, o que chama a atenção é a convergência entre dois fenômenos: as favelas rurais e o comércio de crack. No sul do Ceará, por exemplo, fronteira com Pernambuco, há uma situação muito especial que envolve atuação sistemática da Polícia Federal, da PM e da Polícia Civil e inclusive gerando atividades de cooperação entre as forças policiais do Ceará e de Pernambuco no que diz respeito à questão do tráfico regional de maconha, que já é também cultivada em terras cearenses da Região Sul, o Cariri, e em outros lugares do sertão. As motocicletas estão funcionando como uma moeda no tráfico de drogas no sertão, mas as armas também são moeda, além de carros, terras, mercadorias roubadas nos assaltos a cargas nas rodoviais federais e estaduais, e há conexões entre o tráfico de cocaína (não apenas crack) nas chamadas capitais regionais do Ceará (Juazeiro do Norte, Crato, Iguatu, Sobral, principalmente, mas em outros municípios do interior). No caso da cocaína, já há mercado consumidor no próprio sertão e a relação com comerciantes, empresários e fazendeiros buscando fontes alternativas e criminais de ganhos pode ser evidenciada, principalmente, no caso do sul e do norte do Ceará.
2. Na Capital, Fortaleza, que tem de ser pensada em termos de espaço metropolitano, a Grande Fortaleza, as dinâmicas do crack geram fortes e letais disputas entre pequenas facções, a segmentação é intensa, e não há indícios por enquanto de formação de comandos seguindo a lógica territorial do que foi o modelo do Rio de Janeiro antes das UPPs. A segmentaridade das lutas faccionais entre pequenos traficantes e alguns traficantes de envergadura mediana, que atuam como ex-traficantes do varejo que viraram atacadistas de médio porte (atravessadores), mas que sofrem forte concorrência de outros atores emergindo com a mesma motivação e também forte controle extralegal de policiais que promovem extorsões desses traficantes médios. O forte do tráfico de cocaína no varejo na Capital ocorre via Delivery, são traficantes de classe média que funcionam como intermediários e levam drogas para venda diretamente nas festas, casas, residências, condomínios, restaurantes e bares. Esse tipo de traficante em geral não anda armado e nem usa escolta armada, assemelha-se ao que está acontecendo no Rio de Janeiro com os novos traficantes da classe média, atuando junto aos condomínios das camadas médias altas e altas. Há também traficantes de classe média, estudantes universitários ou já com nível superior, que atuam nas raves, forrós e outras festas com concentração de potencial público consumidor de drogas ilícitas, mantendo forte concorrência entre si, o que tem levado a denúncia de uns contra outros para a PF e para as polícias estaduais, e assim estão sendo monitorados nas festas de tipo rave e outras similares.
Há uma reclamação geral por parte dos traficantes das favelas que a qualidade do pó, da cocaína que está chegando na cidade, por meio da favela, é muito ruim, de baixa qualidade, e por isso é um pó pouco atrativo para clientes de classe média alta, de modo que parte considerável da cocaína das favelas está sendo vendida na própria favela ou para segmentos das camadas populares ou classe média baixa. Alguns policias em serviço são clientes assíduos desses pontos de venda de cocaína, o que os coloca em proximidade com traficantes, e além da relação como cliente, há, em alguns casos, relação de extorsão ou de cooperação, o que gera violência letal, quando acordos são quebrados. O controle policial dos assaltantes passa pela negociação com as posições que eles podem ocupar como traficantes e vice-versa. A passagem entre assalto e tráfico de drogas tem sido um ponto de divergência entre policiais e bandidos, uma vez que estes, quando transitam sem fazer acordos, criam situações de descrédito por parte do que os policiais esperam em termos de "lealdade" ou "obediência" aos pactos ou ordens firmados entre eles.
3. Não há territórios sob domínio armado de traficantes no Ceará, como o modelo do Rio, do CV. Mas há indícios de intensa troca entre práticas do PCC em São Paulo e as formas de atuação de traficantes no Ceará, e o caso de exceção do Rio é a favela da Rocinha que é um lugar de trânsito livre para traficantes do Ceará que lá se hospedam e até mesmo moram devido a conexões entre redes de parentesco ligadas à migração nordeste-sudeste. Por exemplo, há indícios de traficantes atuando no sertão do Ceará com conexões diretas com comandos de favelas cariocas e do mesmo modo há indícios de traficantes paulistas vindo atuar na capital e no interior do Ceará, nem sempre são paulistas de origem, mas passaram por presídios de São Paulo ou do Rio. Prefeituras do interior e vereanças, também na capital, mas principalmente no interior, são pontos de atração para a consolidação de poder de traficantes mais poderosos e que estão buscando inserção no campo da política dos políticos profissionais.
Os pistoleiros ligados a esses traficantes, quando não são eles próprios as duas coisas (políticos e pistoleiros), estão avançando nesse campo da política e isso tem sido objeto de discussões públicas, inclusive na mídia impressa, com reportagens sobre o avanço do crime nos postos de gestão nos municípios do interior. A questão das armas está sendo subestimada no que tange ao funcionamento desses mercado ilícitos de drogas e essa é a principal hipótese de trabalho das pesquisas realizadas até agora: queremos identificar o problema da agência das armas no circuito comercial das drogas, principalmente, do crack.

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