quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Violência é assunto só de segurança pública?

Foto: Nayana Melo / O Estado

O Jornal O Estado de hoje traz uma afirmação bastante relevante e que, caso tivesse uma circulação maior, estaria repercutindo por toda a cidade. O secretário da Segurança Pública e Defesa Social, Francisco Bezerra, que costuma pronunciar-se pouco à imprensa, disse que a "violência transcende a atuação da segurança pública".

http://www.oestadoce.com.br/noticia/violencia-transcende-atuacao-da-seguranca-publica

Há algum tempo, batemos nessa tecla: a de que o problema da violência não se resolve somente com uma secretaria, mas com um esforço articulado que envolva outras pastas, prefeitura, sociedade civil etc. O que chama atenção é o fato de o secretário endossar essa afirmação. Trata-se de uma posição corajosa e que resulta em uma série de consequências. Se as políticas públicas estão falhando é porque os respectivos gestores não estão desempenhando seu papel a contento por uma série de motivos.
O passo seguinte a essa afirmação é ver o que está sendo feito de errado e o que nem chegou a sair do papel. Seria muito bom que o secretário da Segurança Pública liderasse esse movimento e cobrasse das demais autoridades o cumprimento do que efetivamente lhes cabe.
A matéria de O Estado traz uma série de informações que mostram como a rede de proteção social está cheia de furos. E por esses furos transitam traficantes, adolescentes, policiais, professores, líderes comunitários, assistentes sociais, burocratas, donas-de-casa... Todos envolvidos em relações de dependência, conflito e desentendimentos que acabam resultando nos elevados índices de criminalidade e violência de nossa capital.
Como se pode ver, o crime nem sempre é assunto (só) de polícia.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Assassinatos, apreensões e evasão: vamos debater essas questões?

Em janeiro, o Jornal Diário do Nordeste trouxe, sem grande destaque, uma informação importantíssima: em 2012, 232 adolescentes foram assassinados na Grande Fortaleza. Esse número representa um aumento de 20,8% na comparação com 2011.
Em 2012, diz ainda o jornal, 4.208 adolescentes foram apreendidos pela PM, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Em 2011, o Ceará já era o Estado com maior índice de superlotação nos espaços destinados à internação de adolescentes infratores. Ao mesmo tempo, segundo matéria publicada no mesmo jornal em 2011, temos a informação de que, no Ceará, o índice de abandono escolar no ensino médio chega a 12%, superando a média nacional (10,3%).
Segundo a Seduc, somente no Ensino Médio das escolas estaduais do Estado, 43.049 alunos abandonaram as salas de aula em 2010. O número corresponde a 12% do total de 358.742 estudantes matriculados naquele ano. É como se aproximadamente 3.580 alunos desistissem de estudar a cada mês, ou 120 estudantes abandonassem as escolas estaduais todos os dias.
Não se trata aqui de estabelecer uma relação direta entre os dois fenômenos, mas sim de mostrar que algo muito grave está ocorrendo com os nossos adolescentes e o poder público e a sociedade civil não estão sabendo lidar com essa questão.
Quem topa levar a sério esse assunto?

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1225654

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1069654

 

Violência homofóbica no espaço escolar: uma reflexão.

Escola Paulo Freire. Foto/Thiara Nogueira (OPOVO)



Para o educador Paulo Freire, há uma diferença crucial entre manter contato com alguém e criar relações com os outros. O contato é um tipo de interação característico da animalidade ao passo que a relação é o que caracteriza mais profundamente o que se pode chamar de humanidade, essa animalidade humanizada. Foi, portanto, com tristeza e estarrecimento que a sociedade cearense acompanhou eventos de violência num dos seus espaços escolares, supostamente incitada por um professor, que teria provocado com comentários homofóbicos práticas de violência física de um grupo de alunos contra aqueles que o professor teria estigmatizado com a transferência criminosa de seus comentários homofóbicos, tais quais relatados por testemunhas e apresentados pelo jornalista Thiago Paiva em matéria do jornal O Povo de hoje, intitulada Vítima de agressão acusa professor de estimular violência. “O professor levantou o comentário de que nós éramos gays. Isso deu origem a uma discussão na sala. Um garoto começou a me xingar, falar da minha mãe, e eu respondi. Ele passou a me ameaçar e disse que me pegaria lá fora”, contou o jovem de 14 anos ao jornalista de O Povo. Ele foi o alvo principal das agressões, mas um amigo de 16 anos que tentou defendê-lo também foi agredido.
O pai do jovem de 14 anos disse ao jornalista que “Como pai, estou sentindo e sofrendo a dor do meu filho. Não tem explicação. Ele é um menino bom. Não merecia isso. Todo mundo no bairro fica estarrecido quando ouve essa história. Nada justifica”. O que há de mais grave nisso tudo é que a violência física com motivação homofóbica teria sido literalmente incitada por um "professor", trabalhando numa escola cujo nome homenageia o grande educador brasileiro, Escola de Ensino Fundamental e Médio Professor Paulo Freire.
No espaço escolar a ele dedicado, batizado com o próprio nome do educador, não há espaço para a educação como prática para a liberdade, nem para a pedagogia da esperança e muito menos para a elaboração de uma pedagogia da autonomia. Um professor que promovesse agressões homofóbicas e incitasse estudantes a cometer atos de violência física contra outros estudantes poderia ser qualificado como o anti-educador por excelência. Os sentimentos fascistas de anulação e aniquilamento dos outros, dos diferentes, dos "estranhos", para lembrarmos aqui das excelentes reflexões e análises de Judith Butler sobre uma Queer Theory, realizam-se onde há a falência do projeto pedagógico, onde a educação se transformou em mero treinamento e procedimento de contenção e controle da subjetividade humana, em vez de provocá-la a duvidar de suas próprias certezas pela atitude crítica, reflexiva e humanizadora que é aquilo que a educação possui como principal desafio.
O embrutecimento homofóbico do espaço escolar revela a profunda violência de gênero por que passam moças e rapazes, adolescentes e jovens, que são alvos das mais perversas intolerâncias para com diferenças sexuais, de orientação sexual e de identidade de gênero.
Para finalizar, gostaria de lembrar que o colega Luiz Roberto Cardoso de Oliveira escreveu um artigo que já se tornou uma referência fundamental entre nós, pesquisadores e pesquisadoras do campo de estudos da violência, intitulado Existe violência sem agressão moral? e é a este artigo que remetemos o leitor, ele está disponível na plataforma Scielo, pois essa é a pista para entendermos o que se passa num caso tão brutal e estúpido como este.
Dispositivos morais que negam a construção da relação humanizadora com o Outro, baseando-se em contatos socialmente produtores de sujeitos embrutecidos e embrutecedores e que pela intolerância e pela falta de aprendizagem para a convivialidade na vida social plural, transformam-se em armas, por vezes letais, nas mãos daqueles e daquelas cujas vidas mesquinhas, medíocres, estão devotadas a alimentar o ódio e a desesperança no humano.

Sejam todos bem-vind@s!



A violência, a (in) segurança pública e o crime tornaram-se temas que mobilizam os espaços públicos e privados de debate em nosso País, independentemente de que esfera de poder se esteja tratando: federal, estadual ou municipal. Diariamente, notícias, dados, pesquisas e análises são produzidos de forma incessante, sob os mais diversos espectros teóricos, ideológicos e políticos. Esse material é lido, reprocessado e reproduzido pelas mais diversas fontes: policiais, vítimas, especialistas, jornalistas, políticos etc.
A interpretação sobre o que está ocorrendo não é neutra e está sujeita a disputa. Está em jogo o poder de definir situações, sentimentos e expectativas. Vence quem consegue impor sua versão sobre a realidade social ainda que esse domínio se dê sob acirrada contestação e seja submetido a diversos constrangimentos. Nesse sentido, os meios de comunicação possuem um papel estratégico ao propor questões, expor relatos, traçar narrativas e, de certa forma, pautar a ação política ao mobilizar o que chamamos de opinião pública.
É nessa intercessão que este blog se insere, ao trazer para sua arena o que é veiculado pela imprensa sob a ótica de quem se dedica a estudar de forma mais profunda os três elementos que dão nome a este espaço virtual. Por causa das limitações técnicas e físicas dos meios de comunicação, muitas vezes esse diálogo se dá de forma truncada, gerando descontentamento de ambas as partes. O que se pretende com o blog é tornar esse relacionamento mais efetivo e transformador, fruto da busca pela compreensão do outro e do desarme. Mais que ser um reservatório de verdades absolutas, o que queremos aqui é ampliar a conversa, tornar mais complexo o que parece ser banal e por em relevo o que se esconde nas entrelinhas. Para tanto, estamos juntando todos aqueles que se dispõem a arregaçar as mangas e pensar, livrando-se assim da manada.
Este blog é ainda uma tentativa de agrupar reflexões dispersas em tuítes, postagens no Facebook e endereços eletrônicos diversos. A ideia é concentrar tudo isso em um único local, estabelecer um nó privilegiado em meio a tantas redes que sirva como foco de convergência e, ao mesmo tempo, de divergência em meio ao deserto representado pelo pensamento único.
É isso. Aguardamos suas intervenções!