quinta-feira, 14 de março de 2013

Escola aberta, viva, crítica e reflexiva: a superação da violência nas escolas e da escola.

A questão da violência escolar diz respeito ao contexto mais amplo no qual as escolas, a vizinhança e outras instituições estão inseridas. E envolve uma responsabilização do campo de segurança pública, principalmente, no que tange a um controle mais acirrado da comercialização ilegal de armas. Esse ponto precisa ter mais atenção, uma vez que a letalidade é alta, resultado dos conflitos entre traficantes e dos traficantes com a polícia. Sem dúvida, é um risco potencializado pela convergência entre o fenômeno das armas e o do tráfico de drogas. Uma coisa não está dissociada da outra. Seria importante ter uma atenção bem maior para a questão das armas de fogo para não permitir o armamento tanto dos traficantes quanto também da população que usa a arma, em geral, para resolver seus conflitos. O ambiente social circundante, onde a escola se localiza, está mergulhado nesse profundo conflito armado incrustado na vida cotidiana dos bairros. Sobre a hipótese de que os líderes do tráfico estão cada vez mais jovens, precisamos perceber que existe uma carreira criminal. Houve uma carreira desde aquele jovem que está ainda no início. Até ele chegar a outro momento, em que já se tornou um traficante reconhecido e fazendo uso de armas e tendo uma equipe de trabalho, houve uma carreira em desenvolvimento, houve, portanto, uma realização na carreira. As políticas públicas estão sendo ineficientes em permitir essas carreiras, que elas tenham continuidade, se desenvolvam e se transformem num modelo de referência para a adolescência. O traficante se torna um modelo de sucesso ilegal, no sentido de realização daquelas demanda de consumo, que são demandas de afirmação de identidade. Isso vai reforçando cada vez mais um glamour, certa mitificação desse lugar de um traficante que passa a adquirir bens de consumo. E esse processo de aquisição ilegal de bens para consumo é um mecanismo sociológico poderoso de projeção de imagens de si e do outro. Não apenas as guerras entre traficantes, mas os modelos de sucesso imaginados e transmitidos nos bairros onde traficantes atuam influenciam fortemente o funcionamento do espaço escolar, uma vez que os fluxos das pessoas e das redes sociais da comunidade e do bairro está inseridos ou perpassam de algum modo o mundo da escola. Neste sentido, uma questão pouco discutida é a falência da escola. A despeito do bairro e da comunidade influenciar o espaço escolar é preciso ter prudência diante da tendência em atribuir "culpa" aos jovens e jogar o problema da violência na conduta dos jovens, ou de suas famílias e nos contextos da vizinhança onde os jovens moram. Há uma dialética aí que não aceita reducionismos para um lado ou para outro. Há uma questão do modelo da escola, por exemplo, que é o modelo hegemônico da escola que é extremamente desinteressante. A escola hoje tem o modelo que não oferece oportunidades de significação e de sentido. Oferece poucos fontes de significação para a constituição do sujeito enquanto sujeito de si. Exceto em locais com modelo mais sedutor, construtivista, nova escola, etc., onde haja impacto grande na vida das crianças e adolescentes, a análise não se aplica da mesma maneira. Mas onde as escolas são pedagogicamente muito precárias, elas se tornam quase uma instituição total. Acabam se aproximando do modelo da prisão, e as escolas voltadas para as comunidades mais vulneráveis está a todo momento lembrando que os jovens da comunidade ou estão na prisão, ou mortos ou na escola que é lida socialmente como um modo de evitar a prisão, uma promessa da escola, mas que de fato gera uma segregação entre jovens com mais oportunidades locais e outros excluídos dentro da exclusão. Há casos de escolas públicas que funcionam como enclaves para reter com exclusividade crianças, adolescentes e jovens do bairro que sejam aqueles e aquelas que possuem redes familiares fortes com mais recursos simbólicos, materiais e imaginários para a sua inserção nos mercados sociais. O simbolismo da escola no bairro é demarcado pela questão da segurança da própria escola diante do bairro. As escolas têm espaços gradeados e essa não é a melhor solução. Se há grades é porque não há esforço da comunidade com a própria escola e não há interação com o entorno. Política pública teria de ser pensada de maneira a se criar polos de reflexão e cidadania nos contextos locais, para que a escola pudesse funcionar não com grades, mas com participação das famílias locais. A escola se fechar é a solução mais simples, reducionista e simplifica o fato da violência. Aliás, a escola fechada é uma escola que está atuando como ferramenta de segregação e o ódio à escola tende a aumentar entre os segmentos que foram segregados. Muitos pequenos assaltos realizados por jovens contra público da escola são realizados por crianças, adolescentes e jovens que foram em algum momento segregados pela escola que atacam. Existem casos diretos, onde o jovem que foi recusado na escola por ser da favela se dirige como assaltante contra os estudantes da escola que o recusou. Está violento porque a escola se fechou para ele (em geral se trata de rapazes). Onde há educadores atuando abertamente na comunidade, com a proposta pedagógica dialógica de construção do saber e do conhecimento, a escola funciona. O investimento de tal ordem seria enorme. Seria necessário investir em políticas públicas que possam trazer esse tipo de transformação. Precisa ser implementado um projeto pedagógico orientado para realização da abertura com participação popular. Existem casos pelo mundo inteiro. Mas abrir por abrir, sem haver investimento em política pedagógica não apresentaria o resultado de transformação. É preciso que essa abertura ocorra de maneira responsável, participativa e cidadã. Abrir por abrir iria confirmar o caos. Confirmaria a visão conservantista que a solução é colocar mais polícia. Situação que desmoraliza a política pedagógica ou mascara a falta de empenho em realizá-la. As famílias das comunidades sabem de alguma maneira que os melhores profissionais, os mais preparados, experientes e qualificados estão lotados nas melhores escolas particulares e públicas (as raras que são de alto nível), quando deveriam estar nas periferias fazendo de escolas postas em zonas de abandono, escolas de transformação da relação cidade, bairro e cidadania. Mas, ao contrário, a menor qualificação fica nas escolas mais precárias. Inclusive, estar numa escola num lugar considerado perigoso é tido como uma punição. Imaginem o efeito simbólico, a atitude do professor que já vai para o lugar se sentindo punido? Como é que esse profissional vai se motivar? Os alunos percebem que o professor está ali à força, sem desejo próprio, sentindo-se mortificado. Quando chega uma política social, ela precisa dar resultados, as famílias precisam fazer acompanhamento disso, apropriar-se da política social, o que alguns chamam de empoderamento, mas eu prefiro dizer agenciamento. Quase nunca políticas chegam nas crianças e adolescentes invisíveis. Tem algo de muito perverso hoje acontecendo nas periferias. Crianças e adolescentes em situação mais vulnerável dificilmente são atendidos. Isso é muito contraditório. É uma ação de inclusão dentro da exclusão. É uma falsa inclusão, pois está gerando segregação dos mais vulneráveis. Nós não podemos seguir o caminho mais fácil que é de abdicar do desafio coletivo de manter a escola no sentido de lugar de educação, que significa transformação pelo saber e pela construção coletiva da emancipação intelectual, agentiva, etc. da cada um e cada uma.

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