segunda-feira, 18 de março de 2013

Crime, violência e desigualdade. Uma hipótese de pesquisa.

Segundo Göran Therborn, existem três maneiras de analisar a relação entre diferença e desigualdade. Diferenças podem ser horizontais. Não precisam necessariamente envolver ranking. Diferenças são também uma questão de gosto e de pensamento. De modo que entendimentos diferentes formam realidades plurais. Diferenças, ademais, não são necessariamente extinguíveis. Já as desigualdade são verticalizantes, produzem ranking, violam normais morais de igualdade humana, e geram situações injustas onde pessoas moralmente erradas são melhores recompensadas do que outras moralmente justas. Enfim, "desilguadades são diferenças hierárquicas, evitáveis e moralmente injustificadas".

Desigualdades
Há três tipos de desigualdade. O primeiro tipo é a desigualdade vital que influencia questões de saúde e morte. Envolve fatores que incidem conjuntamente sobre expectativas de vida e taxas de sobrevivência e óbito. O segundo tipo é a desigualdade existencial. São fatores que atingem as pessoas e restringem a liberdade de ação das pessoas. A desigualdade desse tipo, a existencial, nega direitos, anula processos de reconhecimento, gera falta de respeito e exclusão das esferas públicas. O terceiro tipo de desigualdade é o tipo mais conhecido, a desigualdade material. É a desigualdade de recursos, tanto de oportunidades como de resultados, e o exemplo clássico é a distribuição de renda. Mas, além de entender que desigualdades se distribuem analiticamente em tais categorias (envolvendo relação com diferenças e tipos de desigualdades) as desigualdades são socialmente e culturalmente produzidas, são históricas.

Formas de produção de desigualdades
E há quatro formas, segundo o autor, de produzir desigualdade na vida sociocultural e histórica dos humanos. São quatro mecanismos sociológicos de produção de desigualdades: distanciamento, exclusão, hierarquia e exploração. O distanciamento estabelece relações entre os que correm na frente e os que ficam para trás. A exclusão já se define por uma barreira socialmente interposta a certas categorias de pessoas para que estas não disputem com outras categorias a vida socialmente considerada significativa ou "boa vida". As hierarquias são escalonamentos de posições, funções e cargos, geram posições superiores relativamente às posições inferiores que, por sua vez, também são relativas. E, por fim, há a exploração, que envolve o estabelecimento de submissões para os pobres, os trabalhadores, em oposição aos ricos, os proprietários. Na realidade social, esses fatores, tipos e mecanismos atuam embaralhados, são distinguíveis apenas para fins analíticos. Há, por conseguinte, reforços circulares entre esses mecanismos. Rebatimentos. Reverberações.
Com esta síntese das ideias principais do sociólogo Therborn, pretendo levantar um questionamento que para nós, pesquisadores do LEV, nos nossos debates coletivos internos, parece-nos central. A pergunta seria: como relacionar violência, crime e desigualdade? Se temos reservas consideráveis quanto ao tipo de reducionismo que faz uma ligação direta e causal entre pobreza e crime ou entre pobreza e violência, sempre nossas pesquisas apontaram para a problematização crítica dessas correlações feitas por certos segmentos da opinião pública, isso não quer dizer que não vejamos uma relação entre desigualdade e violência ou desigualdade e crime. A distinção analítica entre o fenômeno da pobreza e o da desigualdade é fundamental neste ponto. A desigualdade está ligada à distância social entre ricos e pobres. Ao espaço de posições desiguais quanto aos acúmulos de capital simbólico ou social que dizem respeito a cada uma das posições sociais que geram distinções ou indistinções, e aqui nossa grande inspiração é Pierre Bourdieu. São nas formas das relações sociais que giram em torno de questões de aproximação e de distanciamento que se encontram as formas de ação da desigualdade.
A formação de áreas de prosperidade com alto grau de informalização que atuam como mecanismos de segregação de outras áreas, relações de tipo estabelecidos e outsiders, como estudadas por Norbert Elias, parecem dar o tom da busca analítica que estamos aqui sugerindo como fundamental. É baseando-se nessa pista teórica que podemos problematizar o fato de que no país da suposta "nova classe média", ideia de baixíssima confiabilidade sociológica entre cientistas sociais no Brasil, há dinâmicas criminais e processos violentos letais cada vez mais acirrados em torno da luta pelo poder social e pelo sentido das desigualdades, o que nos leva ao paradoxo de haver diminuição relativa de segmentos submetidos à pobreza ao passo que a inclusão marginal de indivíduos no mercado precário do capitalismo contemporâneo gera fenômenos de adesão à violência letal e à violência criminal num sentido que atordoa a todos, como se fosse inexplicável essa relação paradoxal entre aumento da violência e diminuição da pobreza.
A hipótese que estamos querendo discutir, sob influência das ideias que o líder de nosso grupo de pesquisa, César Barreira, está propondo, certamente numa versão diferente da que eu mesmo elaboro neste texto, pois há diferenças e pluralidades de pensamento na nossa equipe, que seria: não há como descartar, como hipótese principal, a análise das correlações entre crime, violência e desigualdades, se quisermos entender o que se passa na sociedade brasileira pós-ditadura que corresponde a uma explosão de eventos criminais, e, principalmente, de taxas de homicídios, só recentemente revertidas no sudeste e em Pernambuco, mas que divergem do que está acontecendo no resto do país, em larga medida.
O que está acontecendo que estados como Ceará perderam o controle sobre o aumento das mortes matadas por armas de fogo? É esse tipo de pesquisa que gostaríamos de propor daqui por diante.

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