segunda-feira, 25 de março de 2013

O risco do pensamento único na área da segurança pública

Gosto de deixar acumular os jornais que me chegam ao apartamento para depois dar uma olhada neles com uma certa distância temporal, na tentativa de encontrar algo que me passou despercebido, identificar padrões e acompanhar alguns fatos em seu desmembramento cronológico. Aproveitei o feriado para  me dedicar a essa tarefa e fui lendo e selecionando as edições do Diário do Nordeste.
Me detive em um exemplar que me chamou bastante atenção. Em uma matéria sobre drogas, no dia 18 de março, o jornalista Fernando Ribeiro escreve que o aumento da ocorrência de vários crimes está relacionada diretamente ao crescimento do tráfico de drogas. Para tanto, ele se baseia em depoimentos de uma juíza e de "autoridades ligadas ao assunto".
O que me causou estranheza, no entanto, foi a construção do parágrafo: "Autoridades ligadas ao assunto fecham questão quanto a isto, muito embora alguns 'especialistas' de plantão teimem em não querer admitir o fato, ou procurem outras explicações".
Não gosto do termo "especialista". Acho pedante assim como "doutor" e "mestre". Sou pesquisador, ou seja, alguém que está sempre em busca de algo. Desde que comecei a estudar a violência de forma mais sistemática, me incomodou a explicação fácil de que os assassinatos são causados por "acerto de contas",  pelo "tráfico de drogas" ou pelo "crack" como se esses fenômenos fossem seres autônomos e não estivessem inseridos em uma teia complexa de relações sociais. Há uma discussão sobre isso em minha dissertação, sobre o que essa justificativa mais esconde do que põe luz aos problemas.
Mesmo se o caso for um "acerto de contas", isso gera uma série de questionamentos: Quem devia a quem? Quem corria risco? Quem mandou matar? Quem matou? Quem traz a droga? Quem vende? Quem compra?  Quantos foram mortos pelo mesmo mandante? São perguntas importantes que nem sempre são respondidas, pois muitas vezes a ocorrência é finalizada de forma abreviada, haja vista ter sido "apenas" um "acerto de contas". A versão é tão repetida que muitas famílias de vítimas acabam naturalizando-a e deixam de se ir atrás de seus direitos no que se refere à investigação do crime.

Pluralidade
Mas mesmo que os especialistas sejam mesmo de plantão, eles não podem se manifestar de forma contrária às autoridades? Falou tá falado? Não se pode nem ao menos duvidar um pouquinho? Acho perigosa essa linha de pensamento, principalmente quando parte de um veículo de comunicação. Na imprensa, quanto maior pluralidade de fontes melhor. A compreensão do mundo não pode se dar apenas pela ótica de quem governa. O olhar divergente abre possibilidades, caminhos novos, amplia a discussão.
Quando o interlocutor é desqualificado, a possibilidade de diálogo se encerra. O que resta é apenas agressão pessoal. Violência simbólica. As autoridades ganham quando ouvem. Os "especialistas" de plantão.  Quando a conversa entre os dois é abruptamente silenciada quem perde é a população.
Encerro esse texto feliz. Satisfeito com as pequenas frestas no muro do consenso sobre o assunto. Se quem diverge da atual política de segurança pública merece tal registro é porque nossas reflexões circulam e ganham em repercussão.
E viva a democracia!

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