sábado, 19 de abril de 2014

O sistema de extermínio no Ceará.

"Os carrascos não têm fala ou, se falam, é com a fala do Estado" (Bataille). Estou acompanhando várias falas de indivíduos das camadas populares, médias e altas no Ceará, falas emocionais e raivosas, de amor ao ódio contra o bandido, contra o vagabundo, expressando uma pulsão de assassinato contra os assassináveis, que têm autorizado explicitamente o morticínio de jovens das camadas populares nas periferias: afinal, dizem cinicamente, perversamente, são bandidos que estão morrendo, estou achando é bom, quero que morram mais (muitas falas de pessoas "apavoradas" seguem nesse tom). O próprio governador, ao afirmar que estava de consciência tranquila e que não sentia frustração diante das taxas elevadíssimas de crimes letais intencionais, reproduziu, na mais alta instância de poder executivo do Estado, o discurso de que o problema é que há um "setor doente da sociedade", ou seja, a mesma ideia operada pelo nazismo quando os integrantes da SS montaram o perverso sistema de genocídio, massacrando pelo aniquilamento diversos segmentos sociais. Quando governo e sociedade defendem a omissão, a não intervenção no que tange ao controle da violência letal, exigindo que as energias de controle sejam canalizadas "apenas" para crimes contra o patrimônio, deixando correr solta a onda de homicídios dolosos, isso quer dizer que estamos diante de uma operação de um sistema de extermínio amplamente reconhecido, onde as "pessoas de bem" do povo, da classe média e da alta sociedade estimulam que um rastro de mortes matadas possa aliviar o sentimento de medo e insegurança pelo aniquilamento puro e simples da presença de categorias de pessoas que são classificadas como indesejáveis. A suspensão do "não matarás" é um dos sintomas mais gritantes de que a "boa sociedade" e seu governo fizeram do crime a norma, atuando de modo mais "marginal" do que os "marginais" cujas mortes matadas são motivos de dentes arregaçados de júbilo histrionicamente cruel por parte de pessoas comuns que não conseguem perceber que se põem simultaneamente no lugar de vítima e de carrasco, só conseguem se perceber como vítimas, numa cegueira tosca e atroz.