domingo, 24 de maio de 2015

Por uma nova política de segurança pública: a segurança como direito relacional.

Na minha opinião, o foco principal das políticas de segurança pública deve estar centrado na investigação dos mercados ilícitos de armas, no varejo e no atacado, não apenas retirar armas ilegais de circulação, mas desfazer o circuito comercial das armas. A arma ilegal aumenta a letalidade dos conflitos interpessoais. Por outro lado, a taxa de elucidação de homicídios teria de subir consideravelmente, para isso, é preciso forte investimento na inteligência policial (não estou me referindo a Coin e P2 da PM) e polícia investigativa, em especial, investir numa nova estrutura da Polícia Civil, que está bastante frágil. Aliás, o fim da dualidade PM e PC, a construção de uma polícia unificada, com carreira única, profissional, legalista e cidadã. Desmilitarizada também. A impunidade gera não apenas a sensação de insegurança, gera também novos homicídios dolosos. Pois um homicídio leva a outro que leva a um terceiro e assim por diante, um tipo de circuito de vinganças que não se interrompe. O problema não é apenas policial. As polícias não podem ficar sendo tratadas como elementos isolados. Sem o sistema de justiça criminal, sem mudanças no sistema prisional e sem participação da sociedade civil, as mudanças são inviabilizadas. A segurança é um direito relacional, exige mobilização ampla. Uma política pública cujos beneficiários não participam ativamente da concepção, da avaliação e da execução possui um caráter muito restrito. Não são técnicos, especialistas e cúpulas, trancados em reuniões de gabinete, que irão de cima para baixo resolver o problema. Os problemas precisam ser resolvidos desde baixo. As bases sociais e políticas de uma ação, de um programa, são a chave do sucesso da política. A verticalização, a elitização e a postura tecnocrata não ajudam a realizar o grande desafio: a democratização do controle coletivo do crime.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

ARMAS DE FOGO E SOCIALIDADES MASCULINAS EM GUERRA

Se, de um lado, há crenças que validam o uso da violência armada para confrontar problemas interpessoais e, de outro, há um arsenal de armas de fogo imenso, além das armas que circulam como mercadorias ilícitas, o fenômeno da morte matada por arma de fogo torna-se um ponto crítico do modo como consideráveis segmentos da população masculina do país está afetada por códigos de credibilidade cujo eixo central é o do "querer falar mais alto do que o outro". A violência armada é uma derivação de uma socialidade armada aprendida nas formas e nos espaços da masculinidade concebida como atitude de ser capaz de fazer a "guerra" contra quem falta com a devida "consideração" que se espera coletivamente haver nas relações sociais entre homens. A percepção de uma falta de consideração, tal qual uma profecia autorrealizadora, como performance, à ação situada no plano do "antes a dele do que a minha", referindo-se aí à dor que será provocada nas respectivas mães daqueles que são inimigos potenciais no contexto situacional em que se avalia moralmente a falta de consideração. Ser considerado envolve um desde de poder das masculinidades armadas.

A VIOLÊNCIA LETAL, ARMAS DE FOGO E PESSOAS PRÓXIMAS

Em geral, motivações passionais, brigas interpessoais e atentados contra a vida de desafetos, somados, respondem por mais da metade das lesões provocadas pelo uso de armas de fogo. Muitos agressores são pessoas conhecidas, companheiros e familiares. É mais usual sofrer lesão por arma de fogo destas pessoas do que de desconhecidos ou de assaltantes, por exemplo. A pessoa comum, conhecida, familiar, colega, companheira, próxima e do círculo social da vítima mata muito no Brasil. A presença da arma de fogo, o que venho chamando de agência das armas, potencializa a letalidade de conflitos interpessoais.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A CRISE DA SEGURANÇA PÚBLICA COMO SERVIÇO PÚBLICO DO ESTADO

Existe uma crise do modelo republicano do serviço público. Uma crise que remonta às transformações ocorridas no plano da governamentalidade e das organizações públicas e privadas a partir da década de 1970. Do ponto de vista do problema da segurança pública, pode-se levantar a hipótese, como sugerem alguns autores, de que a pretensão ao monopólio estatal da violência física e da força física está mais distante da realidade do que em outros momentos históricos, como nos casos da Europa e dos EUA entre 1930 e 1970. As "soluções" para a segurança pública apresentadas desde 1970 são formas bastante tímidas e tangenciais, para não dizer compensatórias, a fim de evitar enfrentar o problema de frente: o modelo do Estado soberano, com suas forças armadas, policiais, sistemas prisionais e circuitos de justiça criminal está num forte processo de desintegração. Novas formas de governamentalidade baseadas em questões biopolíticas, associadas ao biocapitalismo contemporâneo, fizeram com que as categorias de entendimento que eram usadas para dar conta do problema da segurança no século XIX e no período do bem-estar penal (1930-1970) tornam-se sumamente insuficientes para a inteligibilidade dos novos processos de vigilância, controle e punitivismo, segundo vários autores.