segunda-feira, 5 de maio de 2014

A Assembleia Legislativa e o combate às drogas

A Assembleia Legislativa do Ceará lançou uma campanha de prevenção e combate ao uso de entorpecentes intitulada “Ceará Sem Drogas”. A ideia é louvável, mas padece de, pelo menos, dois problemas estruturais. O primeiro diz respeito ao título da iniciativa. Há um descompasso entre o slogan da campanha e as pretensões dos parlamentares. A expressão “Ceará Sem Drogas” induz a crer em uma meta irrealista, impossível de ser cumprida. Especialistas em drogadição são unânimes em ressaltar o fato de que nenhuma sociedade no mundo conseguiu se livrar por completo do consumo de drogas.

O segundo problema está relacionado à agenda política. Promover uma ação de grande porte como essa em pleno ano eleitoral implica uma série de riscos. Em vez de discussões técnicas, baseadas em experiências nacionais e internacionais, promessas grandiosas e debates superficiais podem dar o tom dos encontros. Sem uma mediação adequada, o que seria um momento de esclarecimento e de informação pode se transformar em um espaço privilegiado para a autopromoção. Cabe aos organizadores da campanha tomar todos os cuidados para evitar que isso ocorra sob pena de desperdiçar energia e tempo.

Os deputados podem fazer muito pelo assunto em suas atribuições cotidianas no parlamento sem precisar de uma campanha específica. Fiscalizar bem o governo já seria algo bastante louvável. Matéria publicada no O POVO do dia 31 de janeiro revelou que apenas 0,1% do orçamento estadual foi destinado ao Programa de Enfrentamento às Drogas este ano. Como esse recurso será aplicado? Quais as metas de atendimento a médio e longo prazo? Perguntas como essas, se levadas ao Plenário, contribuiriam muito para que a sociedade pudesse se mobilizar em torno do desafio que as drogas representam.

Como o problema não se esgota apenas no tratamento ao dependente químico, é preciso levar em consideração outras frentes de atuação em que o Estado tem papel decisivo. Há muito tempo os policiais civis se queixam das más condições de trabalho e, mais recentemente, das diferenças salariais entre delegados e inspetores. Como combater o tráfico sem meios para realizar uma investigação adequada e sem que os policiais estejam motivados? Por que é tão difícil de chegar aos grandes distribuidores de drogas? O que pode ser feito a partir da atual realidade orçamentária estadual? Por fim, mas não menos importante, é preciso que a AL debata de forma mais aprofundada o mercado ilícito de armas de fogo. Embora seja costume atribuir as causas da violência ao consumo das drogas, pouco se questiona a facilidade de adquirir armas no Ceará, principal meio utilizado para eliminar vidas. Mesmo com as apreensões crescendo ano a ano, os homicídios só aumentam. Prova de que é preciso ir além do que já vem sendo feito e de que é urgente buscar novas alternativas de combate a essa rentável atividade criminosa. Para que os deputados façam sua parte no que diz respeito à circulação indiscriminada de armamentos não é preciso criar mais uma campanha.

Já é suficiente que os parlamentares debatam essa questão com a seriedade devida e que consigam colocar o assunto como tema prioritário na pauta política do Governo do Estado.

Publicado originalmente em http://www.opovo.com.br/app/colunas/segurancapublica/2014/02/10/noticiassegurancapublica,3204344/a-assembleia-e-o-combate-as-drogas.shtml

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